sexta-feira, 26 de setembro de 2014

TEMPO DE SOBRA

A busca do João, do Pedro e do Sebastião: o tempo, esse danado fujão.
A falta de tempo juntamente com o aquecimento global, o efeito estufa e o governo Dilma, é definitivamente a justificativa mais usada para nos consolar dos nossos fracassos diários.
Atribuímos toda a culpa do mundo à falta de tempo. Nossos filhos estão rebeldes porque não temos tempo para educá-los. Não cuidamos da nossa saúde porque não temos tempo, afinal temos que trabalhar para pagar justamente o plano de saúde.
Não ligamos para velhos amigos porque não temos tempo para recordações infrutíferas.
Nunca retornamos a ligação de nossos pais, deixamos para fazer isso em uma hora mais tranquila, sem tantas ocupações. Hora que nunca chega.
Viagens, férias, namoro, só nas brechas entre um compromisso inadiável e outro importantíssimo. Afinal, temos que trabalhar para termos acesso a coisas boas, de qualidade.
Comemos comida pronta para nos sobrar tempo, a gente vai de avião, a gente liga depois, a gente desmarca aquele happy hour!
E tudo isso para nos sobrar tempo. Mas afinal, como tanto questiona o mestre Mário Sérgio Cortella: Tempo pra que? Para que estamos usando todo esse tempo que “teoricamente” nos sobra? Sobra?
O tempo não se poupa, não se guarda, não se empresta, não se pode vender e fatalmente não se pode comprar.
O tempo não é um objeto, é uma ideia de possibilidades, ideia que só nos ocorre com a real dimensão quando não podemos mais fazer nada respeito.
Você já agradeceu por não estar com dor de dente? Pois é, mas quando ela vem, implacável, você só consegue pensar no quanto estava bem sem aquela dor, e é bem assim que acontece com o tempo: só o queremos de verdade quando não o temos mais.
Encaramos a falta do que fazer como entediante, estamos acostumados a enfrentar o ócio como sendo algo negativo.
Ainda nas lições de Cortella, o ócio, do latim ottum, é o tempo livre por escolha. Escolha.
E é bem isso que precisamos fazer para romper esse círculo vicioso da falta de tempo: escolher, e escolher bem, escolher melhor o que irá nos prender por horas.
Afinal, o que terá adiantado manter seu filho na melhor escola da cidade, porque você tem grana pra isso, se no final do dia estará tão cansado a ponto de não dar um simples beijo de boa noite?
O que valerá ter a maior televisão disponível no mercado se você usa esse aparelho para manter seu filho calado, sem perguntas, sem histórias.
Qual será a utilidade de uma casa imensa se você só consegue frequentar o seu quarto na exaustão do final de um dia.
Nada. Esta é a resposta para todas as perguntas acima, não valerão nada seus esforços se eles não tiverem por objetivo agregar pessoas à sua vida.
Estamos correndo muito, tanto e tão depressa que não refletimos sobre a direção dessa corrida, não sabemos o que queremos, só sabemos que queremos logo e do melhor, e se possível do mais caro.
O nosso tempo livre é todo usado para retratar nas redes sociais os raros programas que conseguimos fazer em prol de nós mesmos.
Potencializamos esses raros momentos, convencemos os outros que nossa vida é legal, que nossa vida é boa, que às vezes acabamos nos convencendo também.
Viramos telespectadores de histórias que não existem, prostrados frente telas, com trilhões de pixels de resolução, telas grandes e pequenas, onde nossa vida passa, e passa.

Angélica Marques






sábado, 20 de setembro de 2014

PILARES

Funciona mais ou menos assim: precisamos de uma estrutura para nos manter de pé, e firmes também.
Nossa vida é subdividida em vários setores, mas essencialmente são três, a família, o trabalho e o coração, esses três pilares nos fortalecem para prosseguir com nossas batalhas particulares.
Como todos os pilares a função destes não é diferente, nos dar sustentação, e quando fragilizados também se comportam como pilares tradicionais, se rompem e desestruturam, cedem, se estilhaçam e precisam de reparos. Por vezes até de substituição.
Já reparou que geralmente quando um de seus pilares não está legal a tendência é que o apoio seja buscado em outro?
Existem momentos na vida em que todos os nossos pilares ficam balançados, e por mais que busquemos encontrar em um ou em outro alguma força, não há socorro nesta hora.
A família, mesmo estando nos dias de hoje tão desvalorizada e corrompida, costuma ser o melhor esteio, é para lá que corremos quando tudo dá errado.
Quantas vezes buscamos no colo de nossos familiares consolo para nossas decepções amorosas, e até mesmo aquele desabafo a respeito do trabalho que não anda bem, o chefe que não dá paz, e assim por diante.
O amor é um pilar meio metido a besta, quando se tem o pilar do amor bem forte e bem robusto costumamos não enxergar a importância dos outros.
Precisamos destes três pilares para que tudo corra bem, devemos cuidar de cada um deles com o cuidado merecido, não deixando que nossas bases fiquem estremecidas nos deixando a eminencia de uma queda.
Cuide de sua família, cuide do seu lar, tenha sempre em mente que não se substitui certas coisas.
Se o trabalho não anda bem o pensamento é inverso, não se prenda a um pilar fraco, arriscando ruir coisas realmente importantes, este pilar sim pode e deve ser substituído sempre que não estiver a altura de suas pretensões.
Quanto ao amor, ah o amor, esse não há receitas, não há truques nem conselhos, cada um que cuide do seu pilar cor de rosa da maneira que lhe convir.
Esse pilar pode ser de aço e mesmo assim se apresentar em certo momento da vida condenado.
Existem também os que mesmo de isopor suportam todas as adversidades em sua missão, vai estar sempre ali.
Como eu já disse não há truques, mas vale sempre lembrar que seja ele como for, forte ou fraco, belo ou nem tanto, ele tem que ao menos existir, para não atrapalhar com sua ausência a estabilidade de suas emoções.
Se construa! Se destrua! Mas mantenha-se sempre de pé, ainda mais quando você for o pilar de alguém.


Angélica Marques

sábado, 6 de setembro de 2014

Mais e Mas


Eu não tive muitas oportunidades em se tratando de educação básica. Mudei de cidade durante o Ensino Médio umas quatro vezes, e de escola perdi as contas, e isso me causou sérias deficiência em alguns princípios básicos da nossa gramática.
Já adulta, tive a oportunidade de estagiar com uma pessoa muito generosa que me ensinou muitas coisas, tanto para minha futura vida profissional quanto em relação a erros de convicção que eu trazia de longa data.
Um dia essa pessoa me corrigiu em relação ao uso correto do “mas” e do “mais”, me explicando pacientemente a função de cada um. Meu amigo discorreu longos minutos na explicação que me fez diferenciar um de outro.
Deixo aqui meus agradecimentos a esse generoso amigo, que entre tantas coisas, me ensinou também a usar corretamente essas duas palavrinhas.
Dia desses esqueci a gratidão e pensei que talvez essa lição não tenha sido tão boa assim.
Pensei que talvez eu pudesse mesmo viver achando que um e outro no final eram a mesma coisa, e não tendo jamais que pensar como o emprego de um mas, poderia ser pesaroso enquanto o emprego do mais, na maioria das vezes, era bem positivo.
O “mais” é uma palavra que acrescenta, que agrega, que traz alguma coisa junto a outra. Me parece ótimo!
Mas, o “mas” é a palavra mais triste que eu já conheci em toda minha vida. O “mas” antecede todas as renúncias que fazemos ao longo de nossas vidas.
Essa palavra de três letrinhas apenas nos faz frear, nos faz desistir e nos faz enterrar sonhos que jamais seriam enterrados não fosse a existência desse bendito “mas”.
Quantas vezes começamos uma frase tão bem, explicamos o tanto que queremos algo, com os olhos sorrindo, gesticulando e, de repente, o sorriso do olhar se vai, os ombros assumem outra postura e tudo dá lugar a um “mas”.
Quantas vezes isso aconteceu na sua vida?
Quantas vezes ao dizer “mas” você deixou de viver algo a mais?
É sempre assim. Nascemos originalmente alados, mas nossas raízes acabam crescendo e nos impedindo de alçar alguns voos, no início somente os mais ousados, mas quando nos damos conta estamos com medo até dos pequenos voos.
E de repente estamos apenas caminhando, seguindo o fluxo, fazendo igual ao que todos fazem.
Logo depois a caminhada desacelera e passamos a calcular milimetricamente nossos movimentos, a fim de evitar quedas, e quando nos damos conta estamos rastejando sem direção, sem perspectivas, rumo a qualquer lugar.
Nós nos esquecemos de que, embora a dor da queda possa ser grande, o prazer da tentativa existe e é um combustível para a nossa existência.
A certeza de um caminho pleno e sem sobressaltos pode arruinar esse caminho, por mais belo que ele seja.
A vida em si e nossa natureza nos levam mesmo a desacelerar, mas devemos ficar atentos para não parar de vez, cuidar para que nossas vidas tenham muito mais “mais” do que “mas”.

Angélica Marques