segunda-feira, 23 de junho de 2014

AS CARTAS QUE NÃO MANDEI




As cartas que não mandei.

Para onde será que vão todas as palavras não ditas, as cartas não escritas, ou não enviadas, e as lágrimas que não caíram, para onde vão, onde ficam guardadas?
A quem diga que todas estas coisas causam o famoso nó na garganta e dele brotam os males que abatem nosso corpo.
Penso que deveria ter um lugar para onde pudéssemos enviar certas coisas, pois acredito que os sentimentos aprisionados causam mesmo doenças, as emocionais evidentemente e até mesmo as físicas.
Sendo assim poderia haver um endereço, e para ele remeteríamos todas nossas correspondências que não podem chegar ao destino pretendido.
Deveria ter alguém de plantão vinte e quatro horas por dia, para ler nossos e-mails, aqueles que apagamos após escolher minunciosamente cada palavra, e depois por conta do bom senso deletamos.
Essa pessoa deveria ler e se compadecer da dor do remetente desconhecido.
Deveria haver uma central de assuntos que não podem ser discutidos, aqueles que causam dor demais, um telefone onde cada um pudesse ligar e dizer o quanto está triste ou sozinho naquele instante, e sendo assim do outro lado da linha haveria uma voz que responderia a todas as queixas apenas com um tom doce e calmo dizendo: - eu entendo, sem perguntas, sem críticas, sem julgamento.
Deveria mesmo haver essa voz para nos acalentar todas as vezes que não somos capazes se quer de derrubar uma lágrima, uma voz invisível, sem corpo e sem alma, só uma voz.
Para todas as palavras não lidas, para todas as cartas e para todas as lágrimas, um minuto de silêncio em um evento importante, somente para ter ali milhares de pessoas cientes de que alguém em algum lugar sofre, não um sofrimento qualquer, mas um sofrimento discreto, um sofrimento secreto, calado.
As palavras que temos em nosso coração para uma determinada pessoa pertencem somente àquela pessoa, e muitas vezes jamais poderemos dizê-las, ou por orgulho ou por dignidade, mas, mesmo não dizendo elas ainda existem, e não morrem, só dormem, ficam ali a espreita para soar bem alto em nossa consciência no momento mais inoportuno possível.
Eu queria muito ouvir todas as palavras que a mim não foram ditas, por mais duras que elas pudessem ser, eu aguentaria, ou não, mas eu as teria.
Quando percebemos que em uma fala há muito mais do que está sendo dito o caminho é um só, a imaginação, a divagação, e ambas são péssimas conselheiras.
Na ausência de um texto completo e que nos faça sentido, automaticamente começamos a completar as lacunas, e completamos claro da maneira que melhor nos convém, e é claro que tudo se distorce, e nascem os grandes maus entendidos, nascem as grandes confusões.
Mas tudo isso não significa que estão livres de problemas aqueles que falam tudo que lhes vem à mente, não se trata de quantidade e sim de qualidade, falar tudo que se deve para quem se deve, e principalmente no momento oportuno, no momento certo.
Não é difícil adoecer deste nó na garganta, é mesmo bem difícil se colocar de forma clara e limpa diante do outro, isso exige muita renúncia, exposição e doação, não é para todos.
Escolhemos palavras para expressar não aquilo que sentimos, mas aquilo que queremos que o outro acredite.
Escolhemos palavras para mascarar nossos sentimentos, como se as palavras certas fossem capazes de nos proteger do profundo olhar daquele que nos conhece, mesmo sabendo que, quem nos conhece de verdade não precisa de uma palavra se quer para ler tudo que estamos sentindo.
Ainda acho que um endereço seria a solução para os tantos nós que adquirimos, pois por muitas vezes a única coisa que precisa um coração ferido é que alguém o escute, e que enxergue o tamanho da fenda que ele possui.

Angélica Marques

Um comentário:

  1. Realmente, acredito que na maioria das vezes deixamos de ser nós mesmos ao renunciarmos nossas palavras, sentimentos. Para podermos agradar, não ofender ou até mesmo minimizar a recepção de quem ouve.
    Carol Martins.

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